Nos Tempos de Escola

Este livro é antes de tudo um testemunho. Composto a partir de vários retratos, como pontos que se unem quando vistos à distância, formam um relato ímpar do cotidiano de uma escola qualquer de ensino médio brasileiro. Talvez a divisa ‘dividir para conquistar’, conhecida desde a antiguidade, consiga sintetizar, em um primeiro momento, a sutil divisão de poderes que parece permear a
convivência entre os alunos. Grupos rivais povoam o espaço simbólico de relações. Na ausência do Estado, na falta de uma consciência coletiva, da sensação de pertencer ao mesmo povo, nesse ambiente, a ‘guerra de todo contra todos’ ofusca a cooperação
natural que deveria surgir entre jovens de realidades tão próximas. A divisão enfraquece, desarticula, dá espaço para um pequeno opressor crescer, como o prelúdio da opressão maior, e a intranquilidade vem somar-se aos inúmeros desafios de quem, na corrida
materialista da vida, precisa correr dobrado para alcançar o segundo lugar. Mas este livro também é leveza. Sua ação flui com a graça e ingenuidade típicos do universo adolescente. Sonho e brincadeira, poesia e romance, os sentimentos á flor da pele também favorecem a transformação, a renovação, a rearticulação. Essa leveza revela sua força sendo ela mesma uma reação ao estado de coisas que se quer mudar. Nela reside a importância desta obra, notadamente por ser igualmente testemunho, que traz a seriedade dos fatos juntamente com a leveza que contorna qualquer obstáculo. Daí rompe a união, a surpreendente união, esperança última de que ainda podemos contar uns com os outros. Esperança de que sempre que um opressor se levantar, se levantarão também tantos outros mais, ombro a ombro, lado a lado, para trazer um pouco de ordem ao caos.
Marcus de Bessa