A VIDA SOBRE NOSSOS OLHARES

Caro leitor, essa obra que se segue é resultado de um sonho, um sonho deste humilde hermeneuta, perseguidor dos rastros e dos indícios da história. Um sonho que se construiu em mim desde que entrei na minha graduação de história na Universidade Estadual da Paraíba. Lá, eu pude perceber a importância da preservação da memória e da identidade local, mas para preservar era preciso dar um primeiro passo: o de construir historiograficamente essa mesma memória. Portanto, se apresentou diante desse sonho, um grande desafio, primeiro, entender a causa de uma cidade tão rica culturalmente, tão cheia de histórias que fervilham no imaginário popular, não ter vastos acervos de pesquisa historiográfica. Ruminando os escritos já existentes, encontrei poucos registros, estes poucos, feitos por verdadeiros entusiastas da história que ousaram desafiar e enfrentar a falta de preservação histórica desse município. Em segundo lugar, iniciei uma empreitada desafiadora que foi a fundação do Instituto Histórico de Lagoa Seca, cujo o objetivo primeiro era o de reunir as várias memórias, narrativas, documentos, livros, imagens que falassem sobre essa cidade. Para isso, contei com o apoio e o entusiasmo de outros tantos sonhadores, travando o que chamou uma astuta historiadora no passado de “batalha das memórias”, e a primeira batalha foi a escrita deste livro.
Pois bem, leitor, esse livro é um primeiro passo que a muito já deveria ter sido dado, ele irá quebrar barreiras e nos lançar adiante, é o
C
início de uma trajetória que pretende não se encerrar com o lançamento desta obra, mas é justamente aqui em que ela se principia. As críticas virão com certeza, e eu anseio que elas venham. Porém, eu suplico a você, leitor, com teu olhar atento e fuzilante que, ao ler os textos que nessas páginas se escondem e que tu desbravarás, construas uma crítica, ou várias críticas, mas que estas sirvam para ti como sendo uma vontade ou uma pulsão de escrita para que as próximas obras saiam dos teus punhos e da tua cruel caneta sobre um papel. Ao lançar teus olhos sobre esta obra, leitor, que ela traga em ti uma grande ansiedade e uma vontade imensa de reviver outras tantas histórias que estão caladas e escondidas nos quatro cantos do nosso município. Elas estão por aí, aguardando tua perspicaz leitura, e aguardam mais ainda tua infalível escrita. Quando terminar esta obra, vai para a vida, leitor, buscas escrever, é o que eu espero de ti.
Então chegou a hora, aliás, chegou a tua hora, é hora de iniciar a leitura. E então, tal qual a personagem-escritora de Lobo Antunes em “Eu hei de amar uma pedra”, que deu a ordem para o personagem para que ele terminasse o livro, faço, leitor, o mesmo contigo: “Tu é que fechas o livro”, afinal, não dizem por aí que teu olhar é soberano? Que depois do teu olhar talvez nem eu mais exista? Então, se me desfaço diante do teu olhar e das tuas astúcias, se minhas palavras já não encontram um chão e eu terminarei naquilo que quisestes para mim – seja na tua gratidão, no teu elogio, na tua ira, ou talvez, pior ainda, na tua indiferença, a cortar as
minhas palavras – então, a leitura já é tua, te deixo agora com os personagens deste livro, mas…
Não te empolgues tanto. Como bem observou uma grande mestre da história: os personagens, as pessoas deste livro, eles têm vida. Não são objetos, nem meus, nem teus. Cuidado! Eles podem se unir e, tais quais os personagens de Luigi Pirandello, saírem as ruas em busca do seu autor, pois eles fazem parte dos fluxos do mundo, que nada deixam em paz. Quantas perguntas criastes agora? Se vou responder todas elas, não sei. Tu, com teu espírito impávido podes reclamar: “que engenharia de sentidos é essa? Não deveria o prólogo estar aqui para nos apresentar a obra e responder os questionamentos iniciais? Que espécie de início é esse em que criam-se perguntas e não se mostra a direção das respostas?”. Quantas perguntas criastes… mas já é tarde, leitor, os personagens já estão na vida, ousaram atravessar tua lucidez, corroer tua razão, e agora… agora acabaram de invadir esse texto e vão desregrar tua leitura. E antes que formule tuas críticas e até mesmo uma possível censura, deixo aqui a fala de um grande mestre que nos deixou há muitos anos: eu lhe suplico que reflita antes de formular essa censura. Ela é mortal. Agora que estou no fim do meu relato, tenho pena que acabe.
João Pereira Silva Neto